quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Navegar

Azul, azul. Barquinho pra bem longe, lugar nenhum. Aqui se faz nuvem de escalar -- ao azul! Navegar não é preciso. Estica o braço e finda as férias no exílio. A cidade natal faz as vezes de madrasta, porém. Tem sempre a garrafa azul do refrigerante de gengibre na mesa. A minha dose é o copinho de nutella. Aquela gota que falta (vírgula) transbordo.

(Escrito em 17 de dezembro de 2013.)

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Sempre em frente

Confúcio, amor:
Quando vires um homem bom, tenta imitá-lo; quando vires um homem mal, examina-te a ti mesmo.
(Também troco homem por mulher na mesma frase pra ver como fica.)

Eu sempre penso: todos os males do mundo nos habitam. Para olhar no espelho é preciso coragem. Não adianta apontar o dedo para os outros, as outras. Encarar a pior parte de nós e transformar o pior em melhor através do amor (assim como uma mãe aceita ou educa um filho) é o que faz mudar o mundo. A revolução pelo amor e não pela revolução.
Para entender a transformação é preciso reconhecer o feminino em seu arquétipo de mãe. Aquela que cuida, que ama filhos diferentes, que é capaz de criar e educar com o mesmo amor outros filhos que não os seus. Cada um de nós precisa se pegar no colo. Somos as duas partes, dentro de nós mora uma criança abandonada e uma grande mãe.
Se um dia alguém te disser que a revolução é feminina, acredite. Não implica em isolar os homens, o feminino está nos homens, nas mulheres, está em todos os que nascem. A revolução mora nos filhos e nas filhas de todas as mães. A revolução é a grande mãe que nos ama e nos habita.
A humanidade está aos berros, feito criança faminta, porque ainda não incorporou o amor incondicional por sua própria essência. Não se deixou ninar pela mãe que cada um passa a ser para si próprio depois de todos os ritos de amadurecimento.
Precisamos de ritos, crianças, precisamos de amor, amores, -- tudo a seu tempo -- precisamos crescer, precisamos ser grandes.

Vamos, enfrente.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Agraciada

Vivendo a vida da personagem, deixei a minha vida suspensa em muitos momentos. De outro lado, a vida da personagem me permitiu acesso a memórias e estados latentes que me enriqueceram, me encheram de vida e me conectaram mais fortemente ao solo do corpo, do presente, do aqui e agora. Parece que tudo o que vivi antes, todas as minhas experiências anteriores, fizeram sentido no momento presente. Na cena da foto, a câmera se movimentava e minha única ação era olhar pela janela. Enquanto estávamos ali, concentrados, em ação, uma garça, atravessando o escuro da noite, cruzou o meu olhar para a cidade. Lembrei que este passou a ser um símbolo de sorte pra mim depois de um dia das bruxas que passei na floricultura de uma amiga especial, que faz tempo não encontro. Naquele dia, tive um choque de beleza e graça vendo uma garça bem branca cruzar um céu muito cinza. Era como se eu estivesse no lugar onde tinha de estar e sutilmente conectada a tudo, para olhar para o céu naquele momento tão exato. Nesta imersão generosa, de doar vida para a personagem, a vida passou a me devolver símbolos antigos, roubados, extraviados, esquecidos. E de olhar para tudo, hoje, eu entendo que sempre escolhi dar de mim o melhor e, por isso, recebo o melhor da vida neste momento e, por isso, se vislumbro o futuro, sei que é o melhor que está por vir.

Esta cidade pra onde olhava a personagem com lágrimas nos olhos, ficou maior dentro de mim.
Te agradeço, Curitiba.
Te agradeço, Andressa.
Agradeço a todos os envolvidos nesta grande aventura e nas aventuras passadas, que me permitiram esta. Terminadas as filmagens acordei sentindo um amor imenso por tudo, por todos, e entendi que o que me acontecia é que me sentia realizada.

Depois daquele momento estou vendo garças atravessando o céu quase todos os dias.



sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Coragem!

Assisti esta semana um filme do Murilo Salles na Mostra de Cinema de São Paulo. Apresentando seu filme (O Fim e os Meios), Murilo se referiu à corrupção não como algo de alguns eleitos. "A corrupção está entre nós". Murilo foi aplaudido, compartilhamos da sua ideia.
Eu acredito que as melhores atitudes não são as bélicas, não acontecem quando nos deixamos dominar por emoções fortes, ideias absolutas. Eu acredito na ponderação quando vamos nos referir ao outro, ou a algo que não conhecemos por completo. É sempre difícil chegar até a verdade. Por isso, acho mais saudável o caminho do meio. Acredito que melhor do que apontar o dedo para "os corruptos" é se reconhecer como parte de um mundo onde a corrupção atua. E analisar suas ações, diariamente.
Faz tempo, observo as opiniões de timeline, e chego à conclusão de que o que falta de maneira geral é AMOR. A paz mundial começa dentro de casa e o cuidado com o planeta começa no jardim. E eu tô contigo, não é fácil. Mas se existimos é porque não faltou coragem. Então, dá a mão aqui.

(Escrito em 27 de outubro de 2014. Faz três anos mas ainda dá tempo.)

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Eu quando amo, quero morar.

O teatro tem o cheiro de todo tipo de lembrança. Não tem cheiro melhor do que cheiro de teatro. Se eu pudesse, moraria em um. Dormiria e acordaria no palco todos os dias. Desceria as escadas até a plateia quando quisesse refletir ou imaginar. Colocaria flores nos camarins pela manhã, dançaria todas as tardes, leria poemas em voz alta todas as noites. Usaria cadeiras para decorar tudo. E escreveria sentada na coxia, como quem descobre a genialidade dos autores, as mudanças de ritmo, as deixas de entradas e saídas. Usaria roupas de outras épocas. Quando a intensidade da vida sufocasse, faria performances nua e aos prantos. Tomaria chá com bolachas à meia luz. Tomaria café no foyer vendo o movimento da cidade. Teria uma geladeirinha com espumantes para brindar as novas temporadas. Entre um feito e outro, me colocaria num foco de luz, para restaurar a autoestima. Deixaria meu telefone em modo avião. Amaria o silêncio das horas certas.

E a vida teria o brilho das noites de estreia, quando você me visitasse. E quisesse me conhecer tanto quanto eu a você. E porque não sei tocar piano, em todos os momentos mais lindos, você tocaria o piano do teatro com maestria, enquanto canto.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Páginas do diário da atriz - nove

Num ritual depois de um dia cheio de trabalho, passo óleo Johnson's no esterno, massageando a timo sobre a pele. Devolvendo o brilho ao lugar do brilho da atriz sobre o palco. Como pretexto, retiro da pele os riscos da cola que fizeram durante o dia as tiras de micropore. Acho bonito levar ao coração um cheirinho de infância, um sentido de pureza, já que ele me ajuda a viver certo a vida da personagem. E escuta a minha voz antes que ela parta a caminho do microfone de lapela colado ali ao lado. A marca da cola que fica no centro do peito conforme o número de cenas que filmo, é um lembrete. Ao final de um dia de cenas inúmeras, únicas e inéditas, é bom agradecer ao coração e à timo pelo ritmo, pela verdade, pelo calor, pela transparência, pela imunidade, pela alegria, pela alma.
Aqui me lembro que minha mãe sempre reavivou minha memória a respeito do ritual de vitalidade de sua professora de yoga, Teodolinda, que, batendo no esterno com a mão em movimento horário, como se a mão fosse um martelinho, repetia: "Todos os dias, sob todos os aspectos, estou cada vez melhor. Todos os dias, sob todos os aspectos, estou cada vez melhor. Todos os dias, sob todos os aspectos estou cada vez melhor. Melhor, melhor e melhor. Melhor, melhor e me-lhor!"


"Tous les jours à tous points de vue je vais de mieux en mieux."
Émile Coué de Châtaigneraie.




segunda-feira, 17 de julho de 2017

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Era uma vez uma Nebulosa

Não sou satélite
Não vou girar ao seu redor
Não vou corresponder às suas expectativas

Resolvi dar a mim mesma
Meu melhor papel
Me saí  pro ta go nis ta

Cinco sílabas
Cinco pontas
Uma estrela

Uma nova galáxia
Em expansão

.
.
.

terça-feira, 9 de maio de 2017

O mundo é o meu lugar

Mudar de cidade é ficar dividida pra sempre. É preferir a dentista em uma, a depiladora na outra. É preferir o sapateiro em uma e o cabeleireiro na outra. É sentir falta dos restaurantes e dos cinemas daquela cidade quando se está nesta. É ficar cansada com o trânsito de uma e com a tranquilidade da outra. É sempre sentir falta dos amigos, querer dividir com eles o que acontece na cidade onde eles não estão. Fulana iria amar essa lojinha. Fulano iria amar esse bar. Queria trazer fulano pra comer esses doces nessa mesinha. Queria levar fulana pra conhecer tal e tal lugar. A família não pode estar sempre onde a gente está? Pena não poder ir naquela estreia. Pena perder aquele lançamento. Pena não ter uma casa com vários quartos pra abrigar todo mundo durante o festival. Queria piscar agora e estar lá. E de novo aqui. E que pena não poder ter todos eles e tudo ao alcance das mãos nos momentos importantes. Nos momentos desimportantes também. Só me alivia pensar que dessa forma o coração fica maior e mais povoado. E se for pensar assim, já começo a querer morar no mundo inteiro e ter listas infinitas de itens para amar. Uma vontade enorme de ter sempre pra onde ir. E outra de ter sempre alguém por quem voltar.

sábado, 22 de abril de 2017

Chá de hibisco e batom vermelho

Dei dois pulos na maca com as mãos cobrindo o rosto e o grito quando coloquei o Mirena. Cólica drástica em dois tempos. Um, dois. Meu médico me pinçou o colo do útero primeiro e foi por isso que sangrei uma gaze. A cólica traz uma sensação estranha de que o mundo deve girar mais rápido, de que há algo de errado com o tempo. Perguntei quando é que iria passar, mas não é possível dizer. Cada mulher funciona de um jeito. Cada mulher se adapta de um jeito. Ou não se adapta. O útero de uma das pacientes do meu médico expeliu um Mirena. Descobri com minha fisioterapeuta que seu útero expeliu dois. Um, dois. Bebi água sentada na maca pra ter certeza de que a pressão não iria me derrubar como quando tomei anestesia geral, a tal. Tudo sob controle, levantei com uma cólica menos forte mas persistente. Dá vontade de andar, de se mexer, de falar, numa tentativa meio desesperada de enganar a dor. Saí de lá conversando com a enfermeira e tive vontade de contar pra todo mundo lá fora que eu não era mais a mesma. Mito da caverna, só que não. Vencida essa nova etapa (mais um rito feminino pra coleção), driblamos a chuva, meu Mirena e eu. Esperamos o Cabify com um cachecol feito manta enrolado na minha cintura pra cortar o vento. Frio piora a dor, comprovei, umidade também, já dizia minha avó me pedindo pra usar chinelinho. Avisei meu amigo que iria passar na casa dele, alguns quarteirões mais longe, pra tomar um chá quente de hibisco. Queria agradar meu feminino e, hibisco, em todas as suas formas, com toda a sua cor e exuberância, agrada. Chá de hibisco também tem propriedades anti-inflamatória e analgésica, ou seja. O plano perfeito: tinha na bolsa um batom vermelho meio violeta da mesma cor do chá. Tomaria o chá com meu batom num ritual ao meu útero valente. No caminho, a ansiedade de querer acertar os ponteiros do mundo. Pra ter o que fazer e pra lembrar da infância, comi três balas sete belo que me ofereceu o motorista do Cabify. O motorista não soube porque eu reclamei do trânsito lento. Para ele aquele era um dia chuvoso e, apesar do engarrafamento, não havia nada de errado com o tempo.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Notas de uma noite de verão

Deixar os sentimentos serem como são as sementes-asterisco dos dentes de leão. Deixar que as afinidades venham e vão, feito os movimentos do vento, que trazem asteriscos até você e até mim e os levam para cima, para o alto, bem distante das mãos. Deixar que eles se deixem pousar nas mesas dos cafés cheios de plantas e de drinks com menta, nas escadarias gastas dos edifícios das grandes cidades, nas toalhas quadriculadas de piquenique que recortam os gramados dos parques, nos grandes salões e tablados esquecidos depois das grandes festas, dos pequenos shows. Deixar que os imprevistos encorajem novamente o seu voo a novos lugares. Deixar que brilhem no contra luz, apareçam e desapareçam conforme a paisagem, conforme a janela, conforme a vontade oculta escondida nas estradas da Natureza. Deixar que elas sejam como pequenas fadas que pontilham o ar com os nossos desejos. Deixar que sejam como as estrelas, cúmplices daqueles desejos que são de todos os mais íntimos. Deixar que a vida seja leve como os pequenos fios de seu delicado desenho. E se um dia os sentimentos pousarem em terra fértil, que eles floresçam como as sementes. Que eles amadureçam como uma flor de novos asteriscos, que, madura, faz nascer novos desejos. Desejos aptos a voar nas rajadas de vento futuras. Desejos aptos a invadir como dentes de leão a terra úmida e remexida do coração.